Criar um Site Grátis Fantástico
Por que A Pulsão de Morte Não Existe

 

Os Cinco Pontos de Ataque Crítico 

 por Emerson Veloso

 

    Reterritorialização significa que nunca se abandone completamente o passado. Cononizadores de um novo e desconhecido continente tentarão reconstruir nas novas terras algo que lhes seja parecido com a civilização de onde vieram.  Isto não é querer voltar ao passado, isto é a atemporalidade da arquiestrutura.  Por isso há algo ao mesmo tempo falso e verdadeiro na estória de Édipo: ele não quer a mãe exatamente, mas também não conseguiria deixar de reconhecer que algo dela estivesse virtualmente reterritorializado em toda mulher que ele desejasse.

 

 

 

     Não existe tendência natural do organismo vivo retornar ao estado inorgânico senão por um acidente evolutivo de algumas espécies, em que não houve necessidade de resolver o problema de perpetuação da vida do indivíduo, quando já estava assegurada a continuidade de existência da espécie.  Sabe-se que existem até mesmo seres vivos pluricelulares com prazo de vida indeterminado. Uma célula não morre de velhice, ela se divide!

          Todavia, deixando de lado o registro biológico, passamos ao conceito conotativo referente ao psiquismo:  Freud afirmara que a pulsão de morte fosse um ímpeto, inerente ao organismo vivo, para a reprodução de um estado anterior, que o ser vivo teve que abandonar sob a influência de forças perturbadoras externas.  Isto explicaria porque lembranças traumáticas tornariam em voltar à consciência compulsivamente, pois as penosas recordações estariam associadas ao desejo de voltar a ser como era antes do trauma, agora tornando-se um problema prioritário e preterindo o próprio viver no presente.  Eis, então, porque ele falou de um Mais Além do Princípio do Prazer, ou seja, que a mente visaria algo mais do que a satisfação dentro dos moldes atuais, demandando também uma espécie de exorcismo do fantasma da reminiscência traumática.

            Mas, pense bem, será que um adulto bem resolvido quanto às angústias existenciais preferiria ainda tornar a ser um jovem inseguro ou uma criança sob a intensa dependência dos desejos dos pais?

       É mais lógico se pensar que a repetição compulsiva da reminiscência traumática proceda de uma dificuldade de resolução de conflitos internos onde não haja conciliação entre as vontades antigas com as exigências atuais.  Então, em vez de se pensar no mais além do princípio do prazer como a pulsão de morte, poderíamos pensar neste mais além como sendo o princípio de realidade, cuja diretiva é solucionar a falta de conciliação nos conflitos internos com a realidade.

            A persistência de antigas vontades não significa precisamente o desejo de voltar ao passado e há mesmo dessas vontades que nunca morrem, tal como a mais antiga delas, que é a vontade de existir e viver!    >> ASSISTIR AO VÍDEO

 

      A busca por reiterar uma experiência primordial e intensamente singular de satisfação não implica a vontade de satisfação derradeira, final, mais do que um leão tenha preferência por comer sempre um mesmo tipo especial de carne.  O caso de frustração de uma experiência de satisfação obtida não corresponder à satisfação esperada não serve como explicação para que se repita o mesmo tipo de busca por satisfação interminavelmente.  Dizer que a pulsão torne a insistir repetitivamente apenas porque o registro da primeira experiência constitua uma singularidade quanto à intensidade de satisfação é insuficiente e tão somente uma hipótese isolada de um contexto maior. 

         Karl Popper criticava a teoria freudiana justamente por não falsear hipóteses com outras concorrentes.  E, de fato, há carência de hipóteses concorrentes sobre um assunto tão complexo e enigmático.  Por exemplo:  por que não considerar que a pulsão oral de mamar seja constantemente excitada pela mente como um processo automático do corpo investir numa ação relacionada à sobrevivência da espécie? Ou por que não considerar que esse Das Ding (A Coisa), o que torna tão desejável a busca por satisfação na repetição pulsional, seja relacionado ao equívoco da associação entre a inscrição da pulsão e a possibilidade de um imprinting da imago faltante. Uma associação cuja recordação sempre remete a uma sensação de prazer, de reencontro com essa possibilidade de se estar construindo a imagem plena.

          Que fantástico não-senso a pulsão querer mais do que a satisfação: querer o desavessamento dela mesma, até ela se nadificar. Ou seja, que a satisfação de um beijo fosse tão plena que até mesmo a energia que conservasse a memória da idéia de beijar se dissipasse para sempre! Pois esta seria a única forma de não haver mais tensão entre uma idealização e o que se consegue dela na realidade.  

          Ora, se não é contraditório, então por que Lacan reiterou a idéia de Freud sobre o traço unário, sobre a pulsão tentar realizar o seu trajeto originário, inicial e constitutivo? Isto quer dizer, por exemplo, beijar como se nunca houvesse beijado antes, de novo!  

           É preciso reconsiderar o mito de que a pulsão teria como alvo pretendido descarregar a quantidade de excitação a um nível zero absoluto em que ela niilisticamente se autoextinguisse para sempre.

 

       Sobre a tendência da mente produzir um esforço para anular completamente a tensão psíquica, dever-se-ia considerar que nem toda energia psíquica que flui pela mente é desagradável e angustiante, demandando descarregar-se permanentemente.  Tensão angustiante de perigo é uma coisa, tensão de assistir a uma partida de futebol é outra bem diferente.  Uma a gente quer extinguir a todo custo e, com a outra, nem se incomoda, pelo contrário: imagine que chato seria se não houvesse uma tensãozinha numa partida de futebol!

             Deve-se levar tudo isto em conta quando se for pensar sobre o princípio de inércia e o princípio de constância.   Ora, que bobagem! consta-me que os melhores momentos da vida também sejam agradavelmente excitantes!  Mas, é claro que tais princípios tenham a ver com o excesso de "quantidade de energia psíquica" referente à tensão dolorosa  e angustiante.  

         Se  você  trabalhasse  numa  empresa e o seu patrão te destituísse do melhor cargo por achar que outro funcionário fosse mais competente para assumi-lo, você passaria um bom tempo odiando ambos, mesmo sabendo tratar-se de uma decisão necessária para a empresa, e dificilmente se conformaria com o cargo de menor importância e valor.  Realmente, só superaria esta perda no dia em que recuperasse o cargo perdido ou encontrasse outra forma de compensação, talvez passando por certas dificuldades até encontrar um melhor emprego.  A constituição da neurose não é muito diferente disto, no que diz respeito à desterritorializar-se de uma situação até conseguir reterritorializar-se noutra.  Mas, depois que se encontra um emprego melhor, é certo que não restará muita saudade do anterior.  O problema é que reterritorializar-se bem é difícil e demanda desapegar-se onde resiste-se em desistir!

 

       Contra um certo maniqueísmo freudiano:  no final das famosas Obras Completas, o pai da psicanálise cria mais uma definição de pulsões.  Nesta época, as pulsões de vida teriam a função de unir o que estivera dissociado, enquanto as pulsões de morte resistiriam em manter essa desunião.  Assim, uma pessoa que estivesse alienada dos desejos recalcados nela possuiria pulsões de morte e seria inconscientemente vítima e ao mesmo tempo algoz dos próprios desejos destrutivos dela.  Por outro lado, a pessoa que conseguisse transformar as pulsões de morte em pulsões de vida, através da análise pessoal, reassociaria as pulsões alienadas ao Eu e não mais agiria destrutivamente de acordo com os mecanismos de defesa freudianos.

          Neste ponto, gostaria de observar que o dualismo entre essas pulsões é estabelecido de forma arbitrária e contraditória, pois o próprio Freud chegou a declarar que não considerava os mecanismos de defesa como pulsões, já que a pulsão tem por propósito único a satisfação da mesma.  E, além disto, os mecanismos de defesa não servem apenas para alienar, mas também para organizar a vida mental dos indivíduos.  Por exemplo, se não reprimíssemos ou recalcássemos certos desejos perigosos, como a vontade infantil de enfiar o dedo numa tomada de energia elétrica, poderíamos morrer.

          Concluindo: pulsões não são de vida e nem de morte, elas são de satisfação e não lhes interessa por que meio irão alcançá-la.  Portanto, antes de achar que um suicida seja uma evidência clara da pulsão de morte, pergunte-se se ele ainda iria preferir se matar, caso encontrasse mentalmente outro caminho de paz qualquer em vida.

 

       Talvez o argumento mais forte seja o do fato de sermos tão animais quanto os outros e, portanto, não poderíamos ter um aparelho psíquico cuja finalidade fosse descarregar toda a energia mental até extingui-la completamente.  Será que o corpo em desenvolvimento não provê uma quantidade de energia psíquica para se manter com tônus e movimento? Será que a alienação ao Outro da Linguagem, recalcando o puro primata como nascemos, vai conseguir dar fim ao impulso dessa necessidade básica do ser vivo? 

          Lacan disse que a verdade por trás dos sonhos é a morte. Tem a ver com o princípio do Nirvana, com o evanescimento do Eu. Porém, há que se pensar nisto como uma necessidade imediata de relaxamento, de alívio das tensões, e, não como a busca da finalidade principal do psiquismo.  Pois, já repararam que, mesmo apesar de todo o niilismo,  há uma espécie de vontade de potência nietzscheniana se realizando nos sonhos, ou seja, aquilo ainda é movimento, produção, vida? 

      Resta se perguntar se poderia algum animal mais evoluído contentar-se em apenas respirar dentro de uma caixa, depois que nasce?  E, ironicamente, não é de uma energia psíquica sexual, preservadora da espécie, de que estamos tratando?  Uma energia sexual, no registro da Biologia, não se satisfaz, não tem princípio econômico: é reproduzir mais e mais!

 

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

         Não é preciso haver pulsão de morte para explicar tantos fatos geradores de Mal Estar.  Basta que se entenda que também somos animais em luta pela sobrevivência.  E, assim como os outros animais, eventualmente também os humanos agem agressivamente e reagem com impensada violência destrutiva.  Mas, o pior é que a intensa angústia do desamparo existencial a que estamos sujeitos, por sermos de uma espécie de criaturas extremamente dependentes dos outros semelhantes, nos leva à alienação do Outro e à construção dos recalcantes e repressores mecanismos de defesa.  E, por último, à possibilidade de se gerar a perversidade.

É muito fácil equivocar-se e confundir a natural resistência à desconstrução de uma imago com uma pulsão de morte.  Na mente do animal, a imago deve ser algo permanente.  Todavia, não se teve a sorte de tal gestalt suceder nos de nossa espécie.

É muito fácil equivocar-se e confundir o que Friedrich Nietzsche chamou de vontade de potência com uma pulsão de morte.  Quão natural é a lei do menor esforço, quão natural é a vontade de livrar-se de obstáculos para se chegar logo à satisfação desejada, quão natural é querer mais!

              

        Está quase fazendo um século que psicanalistas mantêm a tradição deste conceito (Der Todestrieb), tratando-o como se ele fosse aquilo que nunca fora, fundamental.  E isto me faz pensar até que ponto ser tradicionalista seja mesmo manter-se fiel aos princípios.  Pois, como disse Jacques Derrida, simples traços de escrita servem para remeter à significações diversas e este de que estou tratando em particular sempre conduz à armadilha deleteriamente ilusória de que o ente humano jamais escapará de uma vontade autodestrutiva, da qual deva estar sempre se policiando.  O que torna compreensível uma certa impressão edipofóbica ao se ler O Anti-Édipo de Gilles Deleuze e Félix Guattari.

 

    Reterritorialização significa que nunca se abandone completamente o passado. Cononizadores de um novo e desconhecido continente tentarão reconstruir nas novas terras algo que lhes seja parecido com a civilização de onde vieram.  Isto não é querer voltar ao passado, isto é a atemporalidade da arquiestrutura.  Por isso há algo ao mesmo tempo falso e verdadeiro na estória de Édipo: ele não quer a mãe exatamente, mas também não conseguiria deixar de reconhecer que algo dela estivesse virtualmente reterritorializado em toda mulher que ele desejasse.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 tardigrades

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 pando tree

 

  

 

Todo animal mais evoluído, ao nascer, procura no outro materno apoio à sobrevivência e o imprinting das informações que necessita para poder adquirir autonomia. O problema é que algum acidente evolutivo sabotou essa forma de imprinting de autonomia na nossa espécie, o que nos tornou mais dependentes do outro materno.  Portanto, enquanto não comparece essa fórmula de autonomia, os laços de dependência continuam a existir.

 

Então, uma forma de desconstruir a expressão O desejo do $ujeito é o desejo do Outro, seria considerar que o Outro possa revirar o olhar, deste laço de dependência, para a vontade de autonomia. Assim sendo, se o que chamam de pulsão de morte for realizar o desejo do Outro e o Outro for desejante, o sujeito também o será.  E o que será da morte?   – Este é o meu paradoxo!

 

 O Autor                                        por Emerson Veloso

                                    TEÓRICO INDEPENDENTE E SEM VÍNCULO

                                               E PESQUISADOR ARQUEOASTRONÔMICO

                                                

 

 

 

                                                                   BRASIL ,  em 27/10/2012.

 


 

RETORNAR À PÁGINA PRINCIPAL

Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

Rating: 1.8/5 (162 votos)






Partilhe esta Página

 

 

 Não deixe de ler também os outros textos relacionados: